Visão geral
A ruptura do Ligamento Cruzado Anterior é a lesão cirúrgica mais comum em pessoas envolvidas com esportes com mudanças de direção e contato físico entre os atletas, incluindo o futebol, o tênis, o basquete, o handebol e as modalidades de inverno.
Há cerca de duas ou três décadas, a lesão era vista como um problema já resolvido e a cirurgia como um procedimento simples e de excelentes resultados. Com o tempo, o nível de exigência começou a aumentar e se percebeu que o excelente não era tão bom assim e que os problemas eram muito mais comuns do que se imaginava até então.
Apesar de muitas mudanças, o Ligamento Cruzado Anterior (LCA) continua sendo um dos assuntos com mais publicações em revistas científicas em toda a medicina. Um dos principais responsáveis pelo ressurgimento do interesse na lesão do Ligamento Cruzado Anterior foi o Dr. Freddie Fu, da Universidade de Pittsburgh, considerado por muitos como o principal nome da cirurgia de joelho no mundo.
Tive o prazer de realizar um fellowship com o Dr. Freddie Fu em 2008, a quem devo muito do meu interesse por esta lesão e, consequentemente, um grande conhecimento sobre este assunto.
A ruptura do Ligamento Cruzado Anterior foi e continua sendo responsável pelo fim de muitas carreiras esportivas. Com a melhora das técnicas de cirurgia e de reabilitação, a probabilidade de retorno no mesmo nível competitivo de antes da lesão aumentou muito, mas certamente ainda está longe de ser um problema “já resolvido”.
Infelizmente, recebemos muitos pacientes insatisfeitos após cirurgias tecnicamente muito bem realizadas, mas que tiveram um tratamento como um todo bastante ruim. Não quero aqui negar a importância de um ato cirúrgico bem realizado, mas o tratamento da ruptura do Ligamento Cruzado Anterior vai muito além disso.
Os cuidados adotados antes da cirurgia podem fazer toda a diferença, bem como a escolha do momento ideal para realizar o procedimento. Finalmente, o tratamento pós-operatório é tão ou mais importante que o ato cirúrgico para o resultado final do tratamento.
A ruptura do ligamento provoca uma perda de musculatura que só piora após a cirurgia. Sem uma boa musculatura, o Ligamento Cruzado Anterior fica sobrecarregado, gerando uma recuperação funcional abaixo do esperado e um risco inaceitavelmente elevado de nova lesão no ligamento já operado.
Atletas costumam entrar para a cirurgia com uma musculatura devidamente preparada e estão mais habituados aos exercícios realizados na reabilitação, de forma que têm uma recuperação mais previsível. Pacientes com menor nível de condicionamento precisam ter cuidados redobrados, porque aproximadamente 50% deles não recuperam satisfatoriamente a musculatura, mesmo dois anos após a cirurgia.
Ainda que o procedimento cirúrgico seja a única maneira de recuperar a função do Ligamento, o tratamento não cirúrgico pode ser considerado em casos específicos.
O que é o Ligamento Cruzado Anterior e qual a sua importância?
O Ligamento Cruzado Anterior é um dos ligamentos centrais do joelho que unem o fêmur (osso da coxa) à tíbia (osso da perna). Ele tem a função de impedir a anteriorização da tíbia em relação ao fêmur e tem uma importância fundamental na estabilidade rotatória do joelho. O principal problema relacionado à ruptura do LCA é a falta de segurança no joelho, com a sensação de que ele irá se deslocar.
Avaliação e diagnóstico da ruptura do LCA
A ruptura do Ligamento Cruzado Anterior deve ser considerada em todo atleta que apresenta um trauma torcional no joelho seguido de dor, edema local e incapacidade de apoio da perna acometida.
Em alguns pacientes, testes clínicos específicos não deixam dúvidas quanto à lesão. Em situações mais complicadas para identificar o problema, a ressonância magnética poderá confirmar ou não o diagnóstico.
Mais do que isso, a ressonância magnética ajuda a identificar lesões associadas nos meniscos, cartilagem ou outros ligamentos que precisem ser tratados junto com a ruptura do LCA.
Tratamento inicial
O tratamento deve ser iniciado de imediato após a lesão, antes mesmo da confirmação diagnóstica. Inicialmente, os objetivos são diminuir a dor e o edema e recuperar a força e a função da musculatura.
Gelo, elevação do membro, medicamentos anti-inflamatórios, muletas e fisioterapia são alguns dos recursos utilizados. Discutimos mais sobre isso em um artigo sobre o tratamento inicial da lesão do Ligamento Cruzado Anterior.
Passada a fase aguda, a lesão do Ligamento do joelho não deve provocar dor, mas sim instabilidade e falta de segurança. Quanto mais rápido o atleta sair de etapa aguda, menor será a perda de musculatura e mais fácil a recuperação após a cirurgia.
Tratamento cirúrgico x não cirúrgico
A escolha entre o tratamento cirúrgico ou não cirúrgico depende de fatores como a sensação de instabilidade, idade e pretensões com relação à atividade física.
A instabilidade percebida pelo paciente é bastante variável. Alguns sentem falta de segurança mesmo para atividades domésticas básicas. Já outros são capazes de retornar inclusive para o esporte competitivo com relativo conforto. Ainda assim, tratar a lesão sem cirurgia aumenta o risco destes atletas desenvolverem lesões secundárias no joelho. Por isso, a regra é o atleta ser tratado cirurgicamente.
Pacientes jovens e ativos em esportes de risco para o LCA são habitualmente tratados com cirurgia, mesmo em casos com pouca instabilidade. Isso ocorre pelo risco de novas entorses com lesões secundárias nos meniscos ou cartilagem articular.
O tratamento não cirúrgico pode ser considerado em pacientes mais velhos, sem queixa de instabilidade e que não estão envolvidos com esportes de risco para o Ligamento Cruzado Anterior.
Cirurgia
A cirurgia de reconstrução do Ligamento Cruzado Anterior é feita por artroscopia (guiada por vídeo) e visa à substituição do ligamento rompido por um enxerto. O procedimento é feito sob raquianestesia e geralmente se associa a um bloqueio de nervo para o controle da dor após a cirurgia. O paciente recebe alta no mesmo dia ou no dia seguinte ao procedimento.
Temos um texto específico para a descrição do passo a passo da cirurgia de LCA.
Pós-operatório
A Reabilitação pós-reconstrução do Ligamento Cruzado Anterior deve ser iniciada de imediato após a cirurgia e é tão importante para o resultado do tratamento quanto o ato cirúrgico.
Uma das causas mais comuns de resultados insatisfatórios é justamente uma reabilitação inadequada após a cirurgia. O paciente não deve entrar para o procedimento, caso não tenha discutido exaustivamente sobre a reabilitação com o seu médico e sem que esteja seguro de que será capaz de cumprir com o protocolo de reabilitação.
Pacientes com boa musculatura antes da lesão, operados precocemente, e que estão com a mobilidade normal e pouco edema antes da cirurgia tendem a se recuperar mais rápido. A passagem pelas diversas fases da reabilitação é guiada mais por critérios clínicos do que cronológicos, incluindo o retorno ao esporte.
Atletas profissionais ou de alto rendimento muitas vezes são capazes de cumprir com todos os requisitos para o retorno esportivo pós-reconstrução do Ligamento Cruzado Anterior sete meses após a cirurgia. Esta não costuma ser a realidade para a maioria dos atletas “comuns” de consultório, que demoram de 9 a 12 meses ou até mais para ter uma recuperação completa.
Quando eu poderei…
Resultado da cirurgia
Considerando-se todos os pacientes operados, 80% são capazes de voltar para o esporte até um ano após a cirurgia, sendo que 65% retornam no mesmo nível anterior à lesão. Este prognóstico, porém, não é semelhante para todos os pacientes.
O resultado da cirurgia de reconstrução do Ligamento Cruzado Anterior depende muito de fatores como a presença de lesões associadas, condições da musculatura antes da cirurgia e aderência aos protocolos de reabilitação pós-operatória.
Quando consideramos apenas atletas profissionais com lesão isolada do LCA e que realizam a cirurgia precocemente após a contusão, 95% deles são capazes de retorno no mesmo nível de competição neste período.
A cirurgia não é isenta de complicações. No período inicial pós-operatório, a maior preocupação é com o risco de trombose venosa profunda (TVP) e artrofibrose. O risco de trombose é minimizado com a mobilização precoce, uso de meias elásticas e, em alguns casos, com medicações anticoagulantes.
Já a artrofibrose se caracteriza por uma limitação na mobilidade do joelho em decorrência da formação de aderências. Ela pode ser evitada adiando-se a cirurgia até que a mobilidade seja recuperada e o edema minimizado. Outra medida importante é prevenir a mobilização precoce do joelho após a cirurgia.
No longo prazo, os maiores problemas são a possibilidade de nova lesão e o desenvolvimento de artrose no joelho. Aproximadamente 7% dos pacientes operados voltam a romper o ligamento no futuro, sendo que este risco é maior em mulheres, pacientes mais jovens e nos que voltam a praticar esportes considerados de risco de forma competitiva.